Segundo Matt Ridley, quando os humanos eram somente caçadores-coletores, dividir a comida era algo natural. Mesmo quando alguém não participava da caça ou da coleta, seja por estar doente,
cansado, ele recebia uma parcela. Acredita-se que esta cooperação acontecia porque alguns imaginavam que um dia podia acontecer com eles de voltarem de mãos abanando, e então aquele
que hoje estava recebendo iria partilhar por reciprocidade o que tinha conseguido.
Além disto, ainda havia o sentimento de que a terra e seus frutos não tinham dono. E a caça, quando era abundante, deveria ser compartilhada por questões morais. O mamute era um bem público.
Proudhon acreditava que a propriedade era um roubo: não deveria haver posseiros porque a terra é de todos e de ninguém ao mesmo tempo.
O lucro deve ter começado quando a agricultura se enraizou na nossa sociedade. Os resultados excedentes de uma caça (a carne) não poderiam ser guardados por muitos dias; era preciso comer logo em seguida. Já os resultados da colheita de grãos plantados poderia ser armazenado, inclusive para estações de seca. O que não fosse utilizado para saciar a fome no presente e no futuro sobrava.
E estes excedentes começaram a ser trocados por outros tipos de excedentes com outras tribos e depois cidades.
Neste contexto, o lucro era o excedente. E este lucro era gerenciado sob as regras determinadas pelo Rei-Sacerdote de cada cidade. Quando as cidades cresceram e se tornam estados, surgem os governos e com eles impostos, para financiar exércitos, para segurança e para a guerra (bem como financiar o trabalho do Rei, que era governar a cidade). As cidades crescem mais ainda e começa a ficar difícil controlar quem está trabalhando e quem é aproveitador. Então surgem as primeiras leis.
Um destes conjuntos chegou até nós e ficou conhecido como o Código de Hamurabi, rei da Babilônia. Os primeiros comerciantes devem ter surgido pela necessidade de levar um tipo de excedente de uma cidade para outra. Aí é que os fenícios se notabilizaram, construindo barcos e inventando o alfabeto para agilizar as trocas. Depois disto vem a invenção da moeda, para facilitar as trocas.
Nesta situação de comércio, o lucro já toma outro sentido: servia para pagar o esforço e os custos de quem transportava as mercadorias ou mesmo quem financiava as expedições para extrair recursos naturais. Para conseguir extrair o sal do deserto e vendê-lo na cidade (a mercadoria era tão importante antigamente que valia como moeda), era preciso ter dinheiro para comprar camelos e mantimentos. E ainda se assumia o risco de camelos morrerem ou a tropa ser assaltada. Quem participava com o trabalho, recebia uma parte do resultado, ou seja, parte do sal (por isto, a palavra salário).
A razão entre o lucro (parte que cabia ao comerciante ou empreendedor), os custos e o salário pago aos trabalhadores naquela época ainda não é bem entendida.
Na Idade Média, o lucro estava mais associado aos burgueses, pequenos comerciantes que viviam do lucro da troca e dos serviços. Entre a Idade Média e o Idade Moderna, surgem os banqueiros,
que lucravam emprestando dinheiro ou fazendo câmbio de moedas. Era o lucro a partir do empréstimo de capital (os juros).
Com a revolução industrial, os burgueses se tornaram os donos dos bens de produção e das fábricas. Banqueiros continuaram a existir. E as bolsas de valores já existiam nesta época. A distribuição do lucro das fábricas começou a tender para o lado do empresário, e por isto Karl Marx e Friedrich Engels escreveram tantos livros sobre comunismo e disputas entre classes.
Os capitalistas aceitaram a meritocracia, ou seja, acreditam que merece a maior parte quem faz por merecer, segundo as regras do livre mercado. Como discutiremos adiante, a tal lei da oferta e da
procura nem sempre é justa, e nem sempre recompensa melhor os mais merecedores. O próprio conceito de “mérito” não é consenso.
Valor X preço
Se você faz um martelo e isto lhe custa $5, se você vender por $8, seu lucro será de $3 e o valor de mercado do martelo é de $8. Mas qual o real valor do martelo ?
Valor é diferente de preço. Por que alguém paga 80 mil por um vestido ? Não está pagando pelo feitio, material ou pelo atendimento. O objetivo é outro. Talvez poder dizer que pagou este valor. Já
para outras pessoas, talvez pagar 500 reais por um vestido já seja muito. Isto acontece porque pessoas dão valores diferentes para as coisas (bens ou serviços), justamente porque anteveem
diferentes benefícios. Segundo Matt Ridley, o valor é dado pela utilidade de algo. Ou seja, valor tem a ver com o que a gente ganha com o recurso (bem ou serviço adquirido). Quanto mais benefícios, maior o valor. E com isto, pode-se pagar mais caro sem achar absurdo.
O valor difere de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de tempos em tempos. Quem pagaria por um copo de água hoje em seu dia a dia ? Mas agora se imagine num deserto, perdido. É possível
que no futuro a água seja muito mais cara que hoje, porque está escasseando.
O valor inclui diferentes benefícios. Uma pessoa pode decidir comprar um sapato numa loja onde o preço é mais caro, mas onde se sente melhor (melhor atendimento e ambiente, estacionamento, mais seguranças, etc.). Isto é o que chamamos valor agregado ao bem ou serviço. Não é o objetivo principal do negócio ou do cliente, mas ajuda na escolha e pode ser o fator determinante para a
decisão final do cliente.
O conceito de valor inclui o que se gasta (custo para adquirir) e o que se ganha. O custo pode incluir não só o valor pago pelo bem ou serviço, mas custos para deslocamento, para pesquisar preços, o tempo gasto na compra, etc. Além disto, pode haver custos futuros, como manutenção do bem, riscos à saúde, etc.
Entre o preço de custo e o valor da mercadoria cabem vários preços de venda. Isto discutiremos adiante, quando falarmos de valor de mercado.
Se o preço for muito baixo, pode ser que alguém pagou por isto. Não existe “almoço grátis”. Muitas empresas utilizam trabalho infantil, trabalho escravo ou mesmo salários imorais para gerar produtos com preços muito baixos. Mesmo quando uma troca de mercadoria não inclui venda ou não envolve dinheiro, há um preço a ser pago na volta como retribuição ou reciprocidade. Matt Ridley comenta que algumas tribos olham os dentes do cavalo recebido para saber o quanto retribuir depois.
Atualmente, se você receber algo de graça, você é o produto. Por exemplo, o mecanismo de busca do Google e o Facebook não cobram pelos serviços. Então é porque eles estão vendendo
informações sobre nós para seus parceiros, que assim podem oferecer seus produtos.
Lucro falso, valor de mercado
O que Charles Jackson chama de “lucro falso” pode ser entendido como “valor de mercado”, ou seja, o quanto as pessoas estão dispostas a pagar pelo bem ou serviço.
Isto normalmente é regulado pela tal lei da oferta e procura. Se há muita gente querendo algo (muita procura ou demanda), o valor aumenta. Se os recursos são escassos (há pouca oferta), o valor
também aumenta, desde que haja interessados. Na próxima seção falaremos sobre uma certa inversão deste conceito (valor dado não pela raridade mas pela fartura).
Conheci um corretor de imóveis que anunciava um imóvel por um preço. Se muita gente vinha interessada, ele não vendia o imóvel, retirava o anúncio e aumenta o preço. Se não viesse ninguém,
ele diminuía o preço. E assim chegava ao melhor valor para ele (pela Lei da Oferta e da Procura). Entretanto, nem sempre esta lei da oferta e procura determina valor ou preços. Em alguns casos, há produtos que não são tão procurados ou vendidos e que mesmo assim estão com preços altos. Em algumas cidades brasileiras, há restaurantes tailandeses com preços altíssimos. Nem todo mundo gosta deste tipo comida. Mas há clientes certos que costumam ir com frequência, que aceitam pagar o preço e que mantém o restaurante. Então neste caso, não é o tamanho da demanda mas sim a intensidade da necessidade que determina o preço. E é claro é preciso haver pessoas interessadas em pagar tal preço (conceito de valor discutido na seção anterior).
Segundo Kahney, a Apple utiliza uma margem de lucro de 25%, enquanto que Dell usa 6,5% e HP apenas 5%. E por que a Apple faz isto com sucesso ? Porque a Apple tem clientes fiéis, que passam
a noite na fila para ser um dos primeiros a comprar o novo produto. E brigam com amigos defendendo a empresa. São melhores que clientes fiéis: são os clientes “advogados” ou “pregadores”.